João-de-barro prende a parceira se descobre que foi traído. Verdade ou mito?

João e Maria em seu ninho de barro – Foto: Fábio Paschoal

Capítulo 8 da série Pantanal: Terra das Águas

O que você faria se descobrisse uma traição? O joão-de-barro fecharia a parceira dentro do ninho, aprisionando-a ali para sempre. Essa história, que ouvi durante uma roda de tereré no Pantanal, me deixou intrigado e resolvi investigar a origem da crença.

[Veja a introdução e o sumário da série Pantanal: Terra das Águas]

[Veja o capítulo 7 da série Pantanal: Terra das Águas]

O joão-de-barro constrói seu ninho junto com a fêmea. Eles são excelentes arquitetos e utilizam lama para fazer uma estrutura complexa, semelhante a um forno de pizza. Para entrar na casa é preciso passar por um corredor em forma de “L”, que leva a uma câmara onde a fêmea irá colocar seus ovos. Lá eles estarão protegidos do bico do tucano, que não consegue fazer a curva.

Depois de muito tempo olhando para esses ninhos encontrei um exemplar fechado, o que dava sustentação à crença. Sentei na pedra mais próxima e comecei a observar. Reparei que havia insetos entrando e saindo por um pequeno orifício. Seriam moscas colocando seus ovos na carcaça da “maria-de-barro”? Resolvi chegar mais perto para averiguar.

Quando consegui identificar os animais tudo fez sentido. Eram abelhas.

Algumas espécies de abelhas utilizam ocos de árvore para construir a colmeia. Se a entrada for muito grande, as operárias irão diminuir a abertura com cera. Um ninho de joão-de-barro abandonado é uma ótima cavidade para os insetos, e eles irão aproveitá-la se não acharem um lugar melhor para se estabelecer.

Para mim, essa era uma explicação muito mais convincente do que a história da traição. Porém, já vi tanta coisa surpreendente na natureza que fico inseguro em afirmar que a crença não é verdadeira. Prefiro colocar de outra forma: até hoje não há registros confiáveis que sustentem essa teoria de crime passional do joão-de-barro.

Veja o capítulo 9 da série Pantanal: Terra das Águas

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Verdade ou mito? Presa do narval era vendida como chifre de unicórnio

Na Idade Média acreditava-se que unicórnios eram criaturas reais. O Achado de Frobischer, muito parecido com o objeto da foto, ajudou a reforçar esse mito - Foto: Zlatko Unger/Creative Commons

Unicórnios eram considerados criaturas reais no século 16. O achado de um marinheiro inglês em 1576, muito parecido com o objeto da foto, ajudou a reforçar esse mito – Foto: Zlatko Unger/Creative Commons

Em 1576, Martin Frobisher, um marinheiro inglês, navegava pelo Atlântico Norte em busca de uma rota marítima para o Oceano Pacífico. Ao chegar à costa do Canadá, ele se deparou com um objeto incomum na beira da praia. O artefato era totalmente branco, muito comprido e torcido em espiral. Frobisher não tinha dúvida. Estava diante de um chifre de unicórnio.

Naquela época, o unicórnio era descrito em livros de história natural como uma criatura real com poderes mágicos. Seu chifre era capaz de detectar veneno e neutralizá-lo. Era de se esperar que os reis europeus desejassem um objeto tão poderoso.

Frobischer levou o chifre de volta para a Inglaterra e logo achou uma compradora: a rainha Elizabeth I. Acredita-se que ela pagou cerca de £ 10 mil pela peça (o equivalente a £500 mil nos dias de hoje). Os vikings traziam exemplares para vender aos monarcas europeus. Certamente eles sabiam a origem do “chifre”, mas continuaram propagando a lenda do unicórnio para manter o preço da mercadoria elevado.

Eventualmente, a verdade veio à tona. Em 1638, Ole Worm, um cientista dinamarquês, provou de forma conclusiva que aquele objeto não era o chifre de uma criatura mitológica. Na verdade era um dente super desenvolvido, uma espécie de presa, de um tipo de baleia que nadava no mar ártico: o narval (Monodon monoceros).

Durante séculos cientistas tentaram explicar a função do enorme dente. Uma das hipóteses dizia que a presa servia para pegar peixes. Mas como a baleia transferia o alimento para a boca nunca foi explicado ou observado.

Se a presa do narval (Monodon monoceros) é um instrumento sensorial, os combates ritualizados podem receber uma interpretação diferente. As presas podem ficar sujas de algas, e os machos as esfregam, uma contra a outra, para limpá-las - Foto: Glenn Williams/Creative Commons

Se a presa do narval (Monodon monoceros) é um instrumento sensorial, os combates ritualizados podem receber uma interpretação diferente. As presas podem ficar sujas de algas, e os machos as esfregam, uma contra a outra, para limpá-las – Foto: Glenn Williams/Creative Commons

Outra teoria sugeria que as presas eram utilizadas para ajudar na respiração. Narvais se encontram abaixo do gelo constantemente. Como são mamíferos, precisam respirar o oxigênio do ar e as presas serviriam para abrir respiradouros no mar congelado. O problema é que a maioria das fêmeas não possui presas e também precisam respirar.

Charles Darwin dizia que o dente do narval desempenhava a mesma função do chifre dos veados. Ele servia para estabelecer dominância (machos com presas grandes têm uma chance maior de acasalar com fêmeas) e poderia ser usado como arma em um possível combate.

Agora, novas técnicas de microscopia permitiram estudar a presa do narval detalhadamente e revelaram uma nova função para o super dente: detecção de mudanças na temperatura e salinidade da água. Mas como isso acontece? E por que isso é importante?

Nossos dentes são cobertos por uma camada de esmalte que protege o material mais macio. Se esse esmalte é danificado, os nervos abaixo dos dentes são expostos e os deixam extremamente sensíveis a mudanças de temperatura.

A presa do narval não possui essa camada de esmalte.  A superfície do dente é repleta de buracos, chamados de túbulos, que guardam um fluido e um nervo em sua base. Essa estrutura seria capaz de detectar pequenas mudanças na temperatura e na salinidade da água, fatores cruciais para a formação de gelo. Com isso o narval consegue saber onde pode encontrar gelo ou mar aberto e escolher a melhor rota para realizar sua migração. Mas os cientistas ainda não conseguiram explicar porque algumas fêmeas possuem presas e outras não.

Outra questão que permanece em aberto é o fato da presa crescer em espiral. Talvez a torção aumente a superfície de contato para expor mais nervos e aumentar a sensibilidade. Talvez ajude na hidrodinâmica forçando a água a se mover em espiral para diminuir o arrasto quando o animal nada para frente. De uma forma ou de outra, sabemos que a presa do narval não possui poderes mágicos, mas ainda existem muitas coisas que precisamos explicar sobre esse dente extraordinário.

Verdade ou mito? Baleias mortas explodem ao serem cortadas (veja o vídeo)

Baleia explosiva – Reprodução/Youtube

As baleias são os maiores animais do planeta e, quando uma delas encalha e morre, não é tarefa fácil retirá-las do lugar. É preciso cortar o animal em pedaços menores para facilitar a remoção. Mas existe um grande problema: o processo pode causar uma explosão. Mas como isso acontece?

Logo após a morte da baleia começa o processo de decomposição. Os órgãos internos e toda a comida consumida pelo animal começam a apodrecer. Bactérias decompositoras produzem gases que aumentam a pressão no interior do animal. Quando um corte é feito, para remover ou estudar o bicho, os gases se expandem e causam uma explosão que leva tudo o que estiver pelo caminho.

A televisão nacional das Ilhas Faroé, na Dinamarca, registrou o momento em que uma cachalote, um cetáceo da subordem Odontoceti (onde estão os golfinhos. Também é conhecido como grupo das baleias com dentes) explode ao ser aberta por um biólogo (veja no vídeo abaixo).

A cacholote não é caçada no arquipélago e morreu de causas naturais. Mas a caça de baleias-piloto acontece tradicionalmente na região. Segundo a NAMMCO (Comissão de mamíferos marinhos do Atlântico Norte, na sigla em inglês), as pilotos são direcionadas por pescadores para as praias. Quando encalham, são mortas com o golpe de uma espécie de faca. A lâmina corta artérias e veias e o animal sangra até a morte. A carne é dividida entre os pescadores e é consumida. Segundo a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza, na sigla em inglês), embora a atividade seja extremamente criticada desde o século 9, aparentemente não causa uma diminuição significativa na população da espécie. A partir de 1709 a média de indivíduos abatidos é de 850 por ano. O IWC (Comissão Internacional de caça às baleias, na sigla em inglês), o ICES (Conselho Internacional de Exploração do Mar, na sigla em inglês) e a NAMMCO concluíram que esse número não causa um impacto na população das baleias-piloto das Ilhas Faroé (aproximadamente 100 mil indivíduos) que justifique sua proibição.

Formigas-correição andam em círculos até morrerem de exaustão. Verdade ou mito?

Em uma colônia de formigas correição as operárias (esquerda) carregam a comida enquanto os soldados (esquerda) fazem a escolta - Foto: Fábio Paschoal

Uma formiga-correição operária (esquerda) carrega a comida enquanto um soldado (direita) faz a escolta – Foto: Fábio Paschoal

O som da marcha quebra o silêncio na mata. Os animais ficam agitados e começam a fugir. De repente, uma onda negra cobre o chão da floresta. São as formigas-correição. Elas se espalham por todos os lados em busca de comida, e fazem qualquer coisa para chegar até o seu objetivo.

Se existe um buraco no caminho, formam uma ponte; se encontram uma árvore, escalam; se acham alguma presa começa a carnificina. Não há escapatória. Até animais vertebrados sucumbem perante a força dos insetos. O exército da floresta é implacável! Mas há um ponto fraco. As formigas podem ficar aprisionadas em um círculo da morte (veja o vídeo abaixo).

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Como isso é possível?

A visão não tem uma grande importância na vida dessas formigas. Elas são cegas (ou praticamente cegas, dependendo da espécie) e se comunicam através de substâncias químicas chamadas feromônios, que servem para indicar o caminho para os insetos.

Formigas correição seguindo a trilha de feromônio - Foto: Fábio Paschoal

Formigas-correição seguindo a trilha de feromônio – Foto: Fábio Paschoal

Quando uma correição sai para caçar, deixa uma trilha de feromônio que pode ser seguida por outras formigas da mesma espécie. Se acham comida pelo caminho, o rastro é reforçado pelas operárias que se dirigem até o local. No momento em que o suprimento de alimento acaba, os insetos param de remarcar a trilha e o cheiro é dissipado.

No processo, algumas formigas podem acabar se perdendo e, para se reconectar com o grupo, procuram por uma trilha de feromônio. Mas, nessa jornada, podem acabar encontrando o próprio rastro e assim terminar andando em círculos – até morrem de exaustão. O fenômeno é mais comum em áreas abertas, onde o cheiro se dissipa mais rapidamente do que na floresta e as chances das formigas perderem a trilha original aumenta.

Então é verdade. O círculo da morte das formigas correição acontece na natureza.

O ninho das correição é feito pelas próprias formigas. Elas entrelaçam as patas para formar uma bola. A rainha e fica protegida no centro - Foto: Fábio Paschoal

O ninho das correição é feito pelas próprias formigas. Elas entrelaçam as patas para formar uma bola. A rainha fica protegida no centro – Foto: Fábio Paschoal

Cobra-cigarra, um inseto com veneno mortal. O antídoto: sexo. Verdade ou mito?

Cobra-cigarra ou jequitiranaboia (Fulgora sp)

Paramos o barco na beira do rio Cristalino e entramos em uma trilha no meio da Floresta Amazônica. Guiava um grupo de turistas europeus fascinados pela biodiversidade do Brasil junto com Sebastião, que foi criado entre duas tribos indígenas no interior do Pará. Após uma hora de caminhada achei um inseto estranho, que nunca havia visto antes, e comecei a me aproximar.  De repente, senti um puxão. “Cuidado! Essa é a cobra-cigarra! Ela mata com uma picada!”.

Sebastião disse que o inseto tinha um veneno mortal capaz de ressecar árvores e matar animais e homens adultos. “A cobra-cigarra voa direto para o seu peito e injeta o ferrão no coração!”. Aquilo me deixou mais desconfiado do que assustado, e eu resolvi investigar.

A cobra-cigarra, também conhecida como jequitiranaboia ou machaca (em espanhol), é um inseto cercado de mitos e lendas. Além da história contada por seu Sebastião me deparei com outra crença associada ao inseto. Em alguns países da América do Sul acredita-se que se uma pessoa é “ferroada”, ela deve ter relações sexuais em menos de 24 horas. Ou então morrerá. Alguns pensam que a picada não é mortal, mas afrodisíaca. Na Colômbia existe a expressão “picado por la machaca” empregada para aqueles com um grande apetite sexual.

Os apêndices cefálicos das cobra-cigarras variam na forma e na cor de acordo com a espécie (Phrictus sp.)

Os apêndices cefálicos das cobra-cigarras variam na forma e na cor de acordo com a espécie (Phrictus sp.) – Foto: Fábio Paschoal

Essa lenda me deixou ainda mais curioso e recorri ao meu livro Animal – the definitive visual guide to the wolrd’s wildlife , da editora Dorling Kindersley (fotos excelentes, infográficos informativos e boas descrições das espécies) para procurar por evidências.

Descobri que a cobra-cigarra não é tão terrível assim. Ela se alimenta de seiva, que coleta das árvores com um longo e afiado aparelho bucal.  Uma das características mais marcantes desses insetos é o formato do apêndice cefálico, resultado do crescimento de certas regiões da cabeça do inseto. Em alguns casos, esses apêndices são adornados com falsas reproduções de olhos e narinas e podem lembrar a cabeça de um réptil.

Existem espécies que apresentam manchas que se assemelham a fossetas labiais, órgão para detecção de calor dos boídeos (família da jiboias e sucuris). Outras apresentam um ponto negro entre os falsos olhos e narinas, que remete a fosseta loreal, órgão dos crotalíneos (grupo das jararacas, cascavéis e surucucus) com a mesma função da fosseta labial.

O apêndice cefálico da cobra-cigarra (Fulgora sp.) possui olhos e narinas falsos. Algumas pessoas relatam que o inseto parece uma serpente, um jacaré ou um lagarto dependendo da espécie - Foto: Fábio Paschoal

O apêndice cefálico da cobra-cigarra possui olhos e narinas falsos. Algumas pessoas dizem que o inseto parece uma serpente, um jacaré, um lagarto e até um dragão dependendo da espécie – Foto: Fábio Paschoal

Essa semelhança com cobras e a presença de um aparelho bucal, que pode ser confundido com um ferrão capaz de inocular veneno, podem ser a origem de tudo. Mas, talvez, essa crença tenha um fundo de verdade: ao ser manipulada, a jequitiranaboia pode usar o aparelho bucal para se defender. É possível que o inseto tenha se alimentado de plantas que produzam substâncias tóxicas ou ele pode estar infectado por bactérias. Se alguém for machucado nessas condições específicas, pode ser que comece a passar mal e até morrer. Porém, até hoje, não há nenhum caso registrado de óbito de humanos causado por cobra-cigarra no Brasil.

Assim não há motivo para temer a jequitiranaboia. Ela é tão perigosa quanto uma cigarra comum. Quanto ao antídoto receitado para o suposto veneno do inseto… parece mais uma tentativa frustrada de um jovem que queria levar alguém pra cama. Se alguém tiver alguma pista deixe um comentário abaixo, por favor.

A defesa da cobra-cigarra não é veneno. Ao ser perturbada, ela abre as asas e mostra um par de olhos falsos na tentativa de assustar um possível predador - Foto: Fábio Paschoal

A defesa da cobra-cigarra não é veneno. Ao ser perturbada, ela abre as asas e mostra um par de olhos falsos na tentativa de assustar um possível predador – Foto: Fábio Paschoal

Para saber mais sobre a cobra-cigarra acesse:

Fatos reais e lendários sobre a jequitiranabóia (http://www.lutzhoepner.de/uebersetzen/jequitiranaboia.pdf)

Fulgora laternaria Linnaeus 1758 (Hemiptera: Fulgoridae) na concepção dos moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia, Brasil (http://revistas.unilasalle.edu.br/documentos/Rbca/V1_N1/03.pdf)

Observations on the plant hosts and possible mimicry models of “Lantern Bugs” (Fulgora spp.) (Homoptera: Fulgoridae) (http://www.biologiatropical.ucr.ac.cr/attachments/volumes/vol32-1/20_Hogue_Lantern_bugs.pdf)

Verdade ou mito? João-de-barro prende a parceira se descobre que foi traído

João e Maria em seu ninho de barro – Foto: Fábio Paschoal

O que você faria se descobrisse uma traição? O joão-de-barro fecharia a parceira dentro do ninho, aprisionando-a ali para sempre. Essa história, que ouvi durante uma roda de tereré no Pantanal, me deixou intrigado e resolvi investigar a origem da crença.

O joão-de-barro constrói seu ninho junto com a fêmea. Eles são excelentes arquitetos e utilizam lama para fazer uma estrutura complexa, semelhante a um forno de pizza. Para entrar na casa é preciso passar por um corredor em forma de “L”, que leva a uma câmara onde a fêmea irá colocar seus ovos. Lá eles estarão protegidos do bico do tucano, que não consegue fazer a curva.

Depois de muito tempo olhando para esses ninhos encontrei um exemplar fechado, o que dava sustentação à crença. Sentei na pedra mais próxima e comecei a observar. Reparei que havia insetos entrando e saindo por um pequeno orifício. Seriam moscas colocando seus ovos na carcaça da “maria-de-barro”? Resolvi chegar mais perto para averiguar.

Quando consegui identificar os animais tudo fez sentido. Eram abelhas.

Algumas espécies de abelhas utilizam ocos de árvore para construir a colmeia. Se a entrada for muito grande, as operárias irão diminuir a abertura com cera. Um ninho de joão-de-barro abandonado é uma ótima cavidade para os insetos, e eles irão aproveitá-la se não acharem um lugar melhor para se estabelecer.

Para mim, essa era uma explicação muito mais convincente do que a história da traição. Porém, já vi tanta coisa surpreendente na natureza que fico inseguro em afirmar que a crença não é verdadeira. Prefiro colocar de outra forma: até hoje não há registros confiáveis que sustentem essa teoria de crime passional do joão-de-barro.

Verdade ou mito? Gavião-preto se disfarça de urubu para conseguir um almoço

Gavião-preto (Urubitinga urubitinga) segurando a cobra que será o seu almoço – Foto: Fábio Paschoal

Não são apenas características físicas que determinam o sucesso ou o fracasso de uma espécie, o comportamento é extremamente importante na vida de um animal e pode ser crucial para a sua sobrevivência. O gavião-preto (Urubitinga urubitinga) aperfeiçoou a arte do disfarce para melhorar suas chances de pegar uma presa durante uma caçada.

Quando o gavião-preto é avistado de longe pode ser confundido com um urubu-preto  (Coragyps atratus) e, por isso, é também conhecido como urubitinga. É uma ave oportunista que caça insetos e pequenos vertebrados, mas se tiver dificuldade em encontrar uma refeição não faz nenhuma cerimônia para se disfarçar de carniceiro e apanhar o seu almoço.

Urubus são aves organizadas. Quando acham uma carcaça de um grande animal formam pequenos grupos que se revezam:  alguns se alimentam ao passo que outros aguardam a sua vez, pousados nas árvores ao lado. O urubitinga chega como quem não quer nada, se infiltra em um bando e fica por ali, se passando por urubu, enquanto espera pacientemente.

Urubus-pretos (Coragyps atratus) esperando a vez para se alimentar. Se um gavião-preto estivesse pousado na árvore dificilmente seria notado – Foto: Creative Communs/ Cyndy Sims Parr

Pequenos vertebrados não temem urubus, porque as aves não caçam enquanto têm um banquete à disposição. Lagartos, cobras e roedores se aproximam, despreocupados, sem saber que há uma ameaça pousada no galho mais próximo. Quando menos esperam, o gavião-preto se revela e agarra a sua presa, que não tem nenhuma chance de escapar.

A simples semelhança com o urubu-preto não seria um benefício para o urubitinga se ele continuasse caçando como um gavião comum. Foi a mudança em seu comportamento que aumentou suas chances de sucesso e lhe deu uma vantagem em relação às outras aves de rapina. Adaptar-se é necessário na natureza!

Verdade ou mito? Gavião-fumaça coleta galhos em brasa para alimentar incêndios e continuar caçando

Gavião-fumaça (Heterospizias meridionalis) / Foto: Fábio Paschoal

Gavião-caboclo, gavião-casaca-de-couro, gavião-telha, gavião-tinga… Todos esses nomes pertencem ao mesmo bicho, o Heterospizias meridionalis. Como é encontrado em vários estados do Brasil, acabou recebendo várias denominações. Porém, estou mais interessado no nome utilizado no Pantanal: gavião-fumaça.

O fumaça era uma companhia constante nos meus tempos de guia na planície pantaneira. Gosta de áreas abertas, e era avistado na beira da estrada com certa frequência. Procura por uma variedade grande de presas: pequenos mamíferos, aves, cobras, lagartos, rãs, sapos e grandes insetos.

Apesar de ser um animal comum, fascina os pantaneiros devido a um hábito interessante que lhe rendeu seu nome: quando há um incêndio, comum na época de seca, o gavião sobrevoa as labaredas e fica na fumaça. Espera pacientemente até observar um animal fugindo do fogo. A presa escapa das chamas, mas não escapa do gavião-fumaça.

Se a estratégia não der certo, o fumaça não desiste. Volta para a parte já consumida pelo fogo e procura um churrasquinho para fazer o seu almoço. Ele não é o único gavião com esse comportamento, mas acabou recebendo o título.

Os peões acreditam que o gavião-fumaça coleta galhos em brasa para alimentar o incêndio e continuar caçando, mas ainda não há nenhum estudo científico que comprove isso. Assim, a lenda continua, e é passada de geração em geração nos campos abertos do Pantanal.