Amazônia: o deserto verde

Eu, entrando pela primeira vez na Floresta Amazônica, onde solitários raios de Sol conseguem atravessar a copas das árvores e tocam o chão da floresta – Foto: Fábio Paschoal

Capítulo 3 da série Amazônia: uma floresta de superlativos

Era meu primeiro dia de treinamento para guia no Cristalino Lodge e Jorge, que conhecia aquela mata há mais de 30 anos estava pronto para me apresentar a maior floresta tropical do mundo. Entrar na na Amazônia pela primeira vez é uma experiência marcante e diferente do que qualquer pessoa possa imaginar. As árvores gigantescas, algumas com mais de 50 metros de altura, crescem como enormes colunas e faziam com que eu me se sentisse insignificante diante da grandeza desse lugar.

[Veja a introdução e o sumário da série Amazônia: uma floresta de superlativos]

[Veja o capítulo 2 da série Amazônia: uma floresta de superlativos]

Figueira-mata-pau em uma trilha do Cristalino Lodge, na Amazônia – Foto: Fábio Paschoal

O chão, forrado por uma camada de folhas em diferentes estágios de decomposição, revelava raízes entrelaçadas umas as outras. As árvores estão literalmente amarradas umas as outras em uma tentativa desesperada de se manterem em pé em um solo extremamente superficial. Em algumas espécies enormes raízes, saídas da base do caule, se desenvolveram para dar sustentação, são as raízes tabulares e as raízes escora.

Mas onde estão os bichos? A primeira impressão que se tem quando se anda na floresta é a de um deserto verde. A vegetação é exuberante, só que é difícil ver um animal. Porém, qualquer impressão de vazio é mera ilusão. Após algum tempo caminhando um flash azul iridescente corta a imensidão e desaparece. É uma morpho azul! Com as asas fechadas ela se camufla ao ambiente, mas quando voa, uma cor indescritível se revela! É simplesmente fantástico!

Morpho Azul no Cristalino, na Amazônia – Foto: Fábio Paschoal

Bugio-de-mão-vermelha (Alouatta belzebul) – Foto: Fábio Paschoal

Mais a frente encontramos um grupo de bugios-de-mão-vermelha se alimentando. A dieta da espécie é composta majoritariamente por folhas. Assim eles passam a maior parte do tempo digerindo o alimento e não são tão ativos como outros macacos.

Enquanto nossos olhos atentos estavam focados nos bugios, uma gritaria rompeu o silêncio da mata! Ouvimos galhos quebrando e uma movimentação intensa na copa das árvores. Era um grupo de cuxiús, que pulava de galho em galho enquanto fugiam de macacos-aranha-de-cara-branca! Estavam brigando por comida.
Figueiras são árvores que dãio fruto durante o ano inteiro e, por isso, são muito importantes para diversas espécies da Amazônia. Os aranhas defendiam o monopólio pelos figos e quebravam pedaços de galhos para jogar na direção dos cuxiús, que batiam em retirada! O barulho era intenso e só acabou quando os cuxiús saíram do nosso campo de visão.

Cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes aubinasus) na Amazônia – Foto: Fábio Paschoal

Macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus) na Amazônia – Foto: Fábio Paschoal

O sol ainda não havia se escondido no horizonte, mas na mata a escuridão começa um pouco mais cedo, porque as árvores barram a passagem da luz. Era hora de voltar pra casa e jantar.

Na volta, Jorge me disse que tivemos sorte de ver tantos macacos. “Nem sempre vemos tanto bicho. Tem dias que a gente não ouve nem o canto de um passarinho.” Se era sorte de principiante, eu não sei, mas não via a hora de explorar o rio Cristalino no dia seguinte.
Não perca o próximo capítulo da série Amazônia: uma floresta de superlativos.

Cristalino Lodge: mais que um hotel, uma experiência na Amazônia

Visão aérea do Cristalino Lodge – Foto: Cristalino Lodge

Capítulo 2 da série Amazônia: uma floresta de superlativos

Localizado no sul da Amazônia em uma região de intersecção com o Pantanal e o Cerrado, o Cristalino Lodge fica em uma reserva particular com mais de 11 mil hectares, faz fronteira com o Parque Estadual Cristalino, que se conecta com a Reserva da Força Aérea para formar um corredor de mais de 2 milhões de hectares de floresta preservada.

[Veja a introdução e o sumário da série Amazônia: uma floresta de superlativos]

[Veja o capítulo 1 da série Amazônia: uma floresta de superlativos]

Área comum do Cristalino Lodge - Foto: Samuel Melim

Área comum do Cristalino Lodge – Foto: Samuel Melim

O hotel fica na parte alta do bioma, onde o rio não alaga a floresta completamente. O terreno acidentado da região, cria diferentes habitats e todos esses fatores fazem com que a região seja muito rica em biodiversidade. Para se ter uma ideia, cerca de 600 espécies de aves (um terço das aves do Brasil), podem ser encontradas por aqui.

No meio disso tudo, lá estava eu, me sentindo minúsculo dentro de um barco, prestes a chegar em um dos 25 melhores ecolodges do mundo, segundo a National Geographic Traveler. Era maio, época de transição entre a cheia e a seca. O rio estava baixando, expondo praias onde borboletas amarelas formavam tapetes, como se quisessem dar as boas-vindas ao seu novo morador. Aquela era minha nova casa e me senti muito bem recebido logo no primeiro dia.

Machos de borboletas da subfamília Coliadinae procuram por sais minerais na beira dos rios da Floresta Amazônica e formam tapetes amarelos nos leitos secos dos rios na época da seca – Foto: Fábio Paschoal

Deck flutuante e passarela suspensa – Foto: Samuel Melim

Fui apresentado aos meus colegas de trabalho e às dependências do hotel, e , tenho que deixar bem claro, o Cristalino Lodge é incrível! O desembarque acontece pelo deck flutuante, onde você pode passar o tempo livre entre um passeio e outro descansando em uma espreguiçadeira, tomando banho de rio, vendo o pôr do sol ou admirando as estrelas em volta da fogueira.

Uma passarela suspensa sobre as margens do rio leva para uma pequena trilha que dá acesso à área comum do hotel, com bar, restaurante, sala de leitura, sala de apresentações e lojinha. Os bangalôs possuem aquecimento solar, ótima ventilação natural, tratamento dos resíduos e são muito confortáveis e bonitos.

Bangalô do Cristalino Lodge – Foto: Samuel Melim

Além disso, o Cristalino faz reciclagem e separação do lixo, tratamento dos efluentes cinzas e negros, atividades na natureza com grupos pequenos e uma culinária que prioriza produtos orgânicos e da estação.

Bangalô do Cristalino Lodge – Foto: Samuel Melim

Existem muitas opções de passeio: canoagem, passeios de barco, caminhadas em trilhas no meio da floresta e duas torres de observação de 50 metros de altura. Tudo está ligado com a observação de fauna e os turistas precisam estar acompanhados de um guia. Essa era a minha função e não via a hora de começar.

Fui levado ao meu quarto no alojamento, que obviamente era muito mais modesto que os bangalôs para turistas, mas não me importei com o tamanho, afinal tinha um quintal gigantesco para explorar. Era hora de dormir, porque no dia seguinte começava meu treinamento.

Veja o capítulo 3 da série Amazônia: uma floresta de superlativos

Torre de observação do Cristalino Lodge, na Amazônia – Foto: Samuel Melim

Trilha no Cristalino Lodge, na Amazônia – Foto: Samuel Melim

Guiando na Amazônia: de volta ao contato com a vida selvagem

Um casal de araras-vermelhas (Ara chloropterus) no Hotel Floresta Amazônica, Alta Floresta, Mato Grosso – Foto: Fábio Paschoal

Capítulo 1 da série Amazônia: uma floresta de superlativos

Acordei bem cedo com o canto de um casal de araras-vermelhas na minha janela. Muita gente pode ficar irritada com o barulho, mas aquela algazarra era música pros meus ouvidos. Estava no Hotel Floresta Amazônica, em Alta Floresta, Mato Grosso, a alguns quilômetros de realizar meu sonho de conhecer a maior floresta tropical do mundo.

[Veja a introdução e o sumário da série Amazônia: uma floresta de superlativos]

Araçari-castanho (Pteroglossus castanotis) faz parte da família dos tucanos. Pouca gente sabe, mas essas aves são predadores de ovos e filhotes de passarinhos. Apesar disso, são grandes dispersores de sementes e plantam as árvores frutíferas que produzem o alimento dos mesmos passarinhos que tiveram seus ninhos assaltados – Foto: Fábio Paschoal

O hotel tem uma pequena mata, onde é possível fazer uma trilha até o ninho da harpia que foi filmada durante seis meses pelo Globo Repórter. A matéria mostrava o desenvolvimento da maior águia das Américas e eu queria muito encontrar aquele bicho. Achei o local, mas o filhote já tinha aprendido a voar e os pais não tinham colocado outro ovo por lá. Não fiquei triste, já que o caminho foi recheado de encontros com outras espécies. Araçaris-castanhos cruzavam o céu, maitacas-de-cabeça-azul comiam flores e um bando de macacos-prego balançava nas árvores.

Aquela manhã era especial, estava de volta ao trabalho de guia, ao encontro diário com a vida selvagem e minha empolgação não podia ser maior! E eu ainda nem tinha chegado no Cristalino Lodge, o hotel que tinha me contratado.

Macaco-prego (Sapajus apella) na Amazônia – Foto: Fábio Paschoal

Era a hora de pegar a estrada em direção à minha nova casa: a Floresta Amazônica. No caminho encontramos espécies que me fizeram relembrar os bons tempos que vivi no Pantanal. Gavião-carijó, carcará, coruja-buraqueira. O problema é que aqui, as áreas abertas que essas aves preferem não são naturais como no Pantanal. Alta Floresta fica na região do arco do desmatamento, e é possível ver muitas madeireiras e fazendas de gado na região. Uma lembrança de que a ameaça está muito próxima e que é preciso lutar para preservar um dos bens mais valiosos do nosso país. Ver aqueles velhos conhecidos foi uma mistura de sentimentos estranha.

Seguimos viagem até a beira do rio Teles Pires, onde Jorge, o guia responsável pelo meu treinamento, me esperava no barco. E lá estava eu, na borda da floresta com a maior biodiversidade do planeta, preste a entrar na Amazônia com que sempre sonhei!

A coruja-buraqueira (Athene cunicularia), diferente da maioria das corujas, tem hábitos diurnos e é frequentemente encontrada em áreas abertas – Foto: Fábio Paschoal

Pegamos o barco e logo no primeiro minuto veio a primeira surpresa: o encontro das águas. Sabe onde Rio Negro encontra o Solimões para formar o Amazonas? Estava bem longe de lá. Porém, por toda a Amazônia existem rios de água branca (ricos em nutrientes) e rios de água negra (com poucos nutrientes e muito tanino, responsável pela coloração preta) e onde o rio Cristalino encontra o Teles Pires é possível ver essa união de um jeito muito menos majestoso, mas não menos empolgante.

Encontro do Rio Cristalino (água negra) e rio Teles Pires (água branca) – Foto: Samuel Melim

Conforme o barco navegava e a civilização ficava para trás, comecei a me sentir cada vez mais sozinho e isolado no meio daquelas árvores gigantescas. Pensei que tinha desistido de um emprego para estar ali e me questionei se estava fazendo a coisa certa. Não consegui chegar a uma resposta, mas tinha duas certezas: a vida selvagem na região era fantástica e as possibilidades de aprendizado enormes. Essas eram minhas grandes motivações para continuar.

Veja o capítulo 2 da série Amazônia: uma floresta de superlativos

Jorge Lopes, o guia responsável pelo meu treinamento no Cristalino, na Amazônia – Foto: Fábio Paschoal

Amazônia: uma floresta de superlativos

Trabalhando como guia de ecoturismo na Amazônia – Foto: Samuel Melim

Havia voltado para São Paulo após viver por quase dois anos no Pantanal, trabalhando como guia de ecoturismo. Estava em uma operadora de turismo e tudo que tinha restado da vida de guia se resumia a uma imensa saudade de estar em contato com a natureza novamente. Vivia do escritório para casa e de casa para o escritório e confesso que estava muito triste nesse período da minha vida.

Há mais ou menos um mês recebi uma correspondência. Era de um hóspede, que havia guiado no Pantanal e que estava fazendo um documentário sobre a ameaça da soja na maior planície inundável do mundo. Ele pediu para fazer uma entrevista comigo para falarmos os perigos que ameaçavam o bioma, mas eu nem me lembrava mais disso. Um ano depois o documentário estava pronto e passava em canal aberto na Holanda. Ele havia me mandado o DVD com a versão em Holandês e disse que estava preparando a versão em inglês para passar nos EUA.

Assim que terminei a carta resolvi deixar o coração falar mais alto que a razão. Decidi largar tudo em São Paulo e voltar à vida de guia para realizar um sonho: conhecer a Floresta Amazônica!

Deixei para trás minha família, meus amigos e meu emprego  para trabalhar no Hotel de Selva Cristalino, um lugar totalmente isolado, no coração da Amazônia, longe de tudo e de todos. No momento me encontro no avião, em direção à Alta Floresta, no Mato Grosso. Não sei quanto tempo vou ficar, mas sei que é algo que preciso fazer!

Confira essa história que revelou minha paixão pela maior floresta tropical do mundo aqui,no blog Curiosidade Animal. Não perca!

Capítulo 1 – Guiando na Amazônia: de volta ao contato com a vida selvagem

Capítulo 2 – Cristalino Lodge: mais que um hotel, uma experiência na Amazônia

Capítulo 3 – Amazônia: o deserto verde

Viagens para observar animais e contemplar a natureza

Da esquerda para a direita: Arara-azul no Pantanal, tartaruga-gigante em Galápagos, elefante na África, onça-pintada na Amazônia s Sapinho venenoso na Amazônia – Fotos: Fábio Paschoal

Desde pequeno sou apaixonado por animais. Sempre que meus pais podiam me levar pra algum lugar eu queria ir ao zoológico. Com o tempo essa paixão se tornou uma obsessão e eu decidi estudar esses bichos. Fui fazer Biologia. Mas o trabalho de biólogo não me satisfazia e eu não queria dar aula ou fazer mestrado e seguir a vida acadêmica. Meu desejo era conhecer os biomas do Brasil. Por isso, fiz um curso técnico de turismo e, assim que me formei, tomei o rumo do Pantanal onde trabalhei por dois anos como guia. Logo depois segui para a Amazônia onde trabalhei com turistas por um ano. Desde então, volto constantemente para esses lugares que eu tanto amo e comecei a fazer viagens com o objetivo de ver a vida selvagem. Quando estou nesses locais, meu diário sempre está comigo. Então, decidi compartilhar essas jornadas por esses lugares incríveis por aqui. Boa leitura!

África Selvagem: Botswana e Zâmbia

África Selvagem: Em Busca da Grande Migração na Tanzânia

Amazônia: uma floresta de superlativos

Chapada dos Veadeiros: roteiro de 5 dias

Cidade do Cabo: passeios para contemplar a natureza

Galápagos: Ilhas Encantadas

Kruger: guia prático para organizar seu safári na África do Sul

Pantanal: Terra das Águas

Rota Jardim/ Garden Route: 5 dias pelo litoral da África do Sul

Diário de bordo – Workshop de Fotografia na Amazônia com João Marcos Rosa

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Fui convidado para participar do Workshop de Fotografia na Amazônia com João Marcos Rosa no Hotel de Selva Cristalino. O lugar fica no norte do Mato Grosso, próximo da cidade de Alta Floresta, está inserido em uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) e faz parte de um grande corredor ecológico que, junto com o Parque Estadual Cristalino e a Reserva da Força Aérea, preserva mais de 2,3 milhões de hectares de floresta.

A oferta era irrecusável. O Cristalino foi minha casa durante um ano (entre 2010 e 2011). Meu trabalho era guiar grupos interessados em história natural e fazer passeios para a observação de animais da Amazônia. Era uma ótima oportunidade para rever os amigos que fiz por lá, aprender um pouco mais sobre fotografia e, de quebra, pegar umas dicas com um dos mais renomados fotógrafos de natureza do Brasil, com imagens publicadas em revistas como National Geographic, GEO, BBC Wildlife e Terra Mater.

Peguei minha câmera, pedi algumas lentes emprestadas, arrumei minha mala e parti para a viagem. O ponto de encontro com o João era o aeroporto de Alta Floresta. Saímos de lá com um grupo heterogêneo, unido graças à paixão pela fotografia e pelo meio ambiente, em direção ao Cristalino.

Chegamos na beira do rio Teles Pires, pegamos um barco, já com as câmeras na mão, e seguimos para o hotel. As árvores de mais de 50 metros fazem você se sentir pequeno e apresentam a grandeza do lugar. A Amazônia é uma terra de superlativos: é a maior floresta tropical do mundo, com mais de 40.000 espécies de plantas. Em nenhum outro lugar da Terra existem tantas aves, peixes de água doce ou borboletas diferentes. Essa é a casa de uma em cada dez espécies conhecidas pela ciência. Entre elas estão a onça-pintada e a harpia, o maior felino e a maior águia das Américas; a sucuri, a cobra mais pesada do planeta; a anta, o maior mamífero terrestre da América do Sul.

A lontra (Lontra longicaudis) é adaptada à vida aquática: possui corpo hidrodinâmico e membranas interdigitais que ajudam na natação, a pelagem tem duas camadas: a externa é impermeável e a interna funciona como isolante térmico. Os olhos as orelhas e o focinho se localizam no topo da cabeça e permitem submergir totalmente na água deixando pra fora só as partes essenciais para a vida. Se alimenta basicamente de peixes e répteis. Ocasionalmente pode comer aves e mamíferos - Foto: Fábio Paschoal

A lontra (Lontra longicaudis) é adaptada à vida aquática: possui corpo hidrodinâmico e membranas interdigitais que ajudam na natação, a pelagem tem duas camadas: a externa é impermeável e a interna funciona como isolante térmico. Os olhos as orelhas e o focinho se localizam no topo da cabeça e permitem submergir totalmente na água deixando pra fora só as partes essenciais para a vida. Se alimenta basicamente de peixes e répteis. Ocasionalmente pode comer aves e mamíferos – Foto: Fábio Paschoal

Logo que entramos no Rio Cristalino, uma lontra nos deu as boas vindas. Clique! Clique! Clique! Clique! Os fotógrafos não tiravam as lentes do animal. João, dizia as melhores configurações da câmera para fazer a foto naquele tipo de situação. Francisco, nosso guia, posicionava o barco para pegarmos a melhor luz enquanto a lontrinha, extremamente relaxada, tomava sol tranquilamente. Ela chegou até a fazer pose: ergueu o pescoço, abriu a mão apoiada no tronco e mostrou os dedos interligados por membranas que ajudam na natação. Ficamos ali até ela mergulhar no rio e sumir do nosso alcance. Não havia dúvida, o workshop seria fantástico.

Durante seis dias subimos em torres de 50 metros para ver o nascer do sol, observamos a névoa característica do amanhecer amazônico, tentamos congelar o movimento de aves em pleno voo, trabalhamos o desfoque do fundo para dar mais destaque ao assunto principal da foto, registramos o espelho d’água do rio Cristalino, vimos castanheiras gigantescas, corremos que nem louco para tentar fazer imagens de macacos (de dia e de noite), olhamos para insetos, fungos e flores em fotografias macro, subimos e descemos o  rio atrás de antas e lontras, vimos o pôr do sol no rio Teles Pires, pintamos objetos com a luz para fazer fotografias noturnas e caminhamos na floresta em busca de fotos que retratassem a Amazônia e a região do Cristalino. Tudo com a orientação do João, que estava sempre disposto a ajudar a encontrar a melhor forma de conseguir a imagem desejada por cada participante do workshop.

Na Amazônia, após uma noite de chuva, o dia amanhece com uma névoa misteriosa – Foto: Fábio Paschoal

Na Amazônia, após uma noite de chuva, o dia amanhece com uma névoa misteriosa – Foto: Fábio Paschoal

É claro que também pegamos chuva. Tivemos que descer da torre rapidamente para não pegar a tempestade lá do alto, nos protegemos na beira do rio para esperar a chuva mais forte passar, voltamos de barco rapidamente para tentar escapar de um pé d’água e, durante uma manhã e uma tarde ficamos ilhados no hotel. Mas esse tempo não foi perdido. Enquanto estávamos esperando a chuva passar aperfeiçoamos técnicas de fotografia macro com fungos e insetos nas áreas cobertas e discutimos tratamento de imagens.

Respiramos fotografia e vivenciamos a Amazônia até o ultimo segundo. Durante o nosso almoço em um hotel ao lado do aeroporto, antes de pegar nosso voo de volta pra casa, as araras-vermelhas e as canindés estavam em uma palmeira se alimentando e nos deixaram chegar bem perto. Não poderia ter sido melhor!

Um casal de araras-vermelhas apareceu para se despedir - Foto: Fábio Paschoal

Um casal de araras-vermelhas apareceu para se despedir – Foto: Fábio Paschoal

Para mim, esse workshop foi muito importante. Durante o meu tempo de guia no Cristalino, enfrentei o sol causticante nos dias de seca e as chuvas intermináveis na temporada da cheia, acompanhei a mudança no comportamento dos animais durante as diferentes estações, observei as aves migratórias chegando quando o alimento fica abundante e indo embora quando o mesmo fica escasso, presenciei o crescimento dos cogumelos que decompõem a matéria orgânica e são tão importantes para o desenvolvimento da floresta, vi a floração de diferentes plantas, experimentei os frutos, gostosos ou não, que se desenvolvem nas diferentes épocas do ano… Aprendi muito sobre o ecossistema e sobre as relações entre os seres vivos e o meio ambiente. É impressionante como tudo isso é perfeito e frágil ao mesmo tempo. A Amazônia me ensinou a ser uma pessoa melhor e eu aprendi a amar esse lugar.  Hoje, graças ao João, sinto que consigo passar esse sentimento de uma maneira muito mais intensa através das minhas fotos e sou muito grato por ter passado por essa experiência.

Valeu João!

Turma da primeira edição do Workshop de fotografia na Amazônia com João Marcos Rosa – Foto: João Marcos Rosa

Turma da primeira edição do Workshop de fotografia na Amazônia com João Marcos Rosa – Foto: João Marcos Rosa

Salvar

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Fotos de 20 animais da Amazônia

A Amazônia é a maior área contínua de floresta tropical da Terra e serve como um dos últimos refúgios da vida selvagem. As estimativas do número total de espécies variam entre 800 mil e 30 milhões. Nenhum outro lugar do mundo chega a esse patamar. Essa grande biodiversidade está sujeita a variações climáticas e deve se adaptar a dois períodos bem definidos para sobreviver.

Durante a seca (junho a novembro) algumas árvores perdem as folhas para economizar água mostrando os macacos-aranhas que lutam para buscar frutos. O nível dos rios baixa expondo os barrancos onde o saí-andorinha irá construir seu ninho. Borboletas aproveitam os bancos de areia para pegar nutrientes necessários para a reprodução. A anta, desesperada por água, procura pequenas poças dentro da mata. Se não consegue encontrar nada, se arrisca na beira do rio, onde a onça-pintada está a espreita.

Mas quando tudo parece que vai arder em chamas, chega a temporada das chuvas (dezembro a maio) trazendo a água tão essencial para a vida. É a época das frutas: figo, caju, jaca, manga, açaí, ingá, mescla, cacao, cupuaçu… As saíras, tucanos, araras e macacos se fartam de tanta comida. Dentro da mata, os sapos venenosos tentam achar parceiros para acasalar enquanto as cobras procuram por lugares mais elevados para fugir da água que começa a inundar a floresta. É então que as borboletas surgem novamente, anunciando o final das chuvas e o recomeço de um novo ciclo na Amazônia.

Para mostrar um pouco dessa fantástica biodiversidade, selecionei imagens de alguns animais que podem ser encontrados na região do Cristalino Lodge, na Amazônia brasileira.

 

Cuíca-de-colete é redescoberta na Amazônia brasileira após 50 anos

A cuíca-de-colete (Caluromysiops irrupta) está na categoria Criticamente Ameaçada da Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, elaborada pelo ICMBio - Foto: Marcio Martins

A cuíca-de-colete (Caluromysiops irrupta) está na categoria Criticamente Ameaçada da Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, elaborada pelo ICMBio – Foto: Marcio Martins

A cuíca-de-colete (Caluromysiops irrupta) é o único marsupial (grupo dos gambás, cangurus e coalas) classificado como criticamente ameaçado no Brasil. O único registro que existia da espécie no país era de uma pele depositada no Museu de Zoologia da USP datada de 1964. Porém, em dezembro de 2013, a bióloga da USP Júlia Laterza Barbosa encontrou um exemplar durante um resgate de fauna em Paranaíta, município localizado dentro da Amazônia Legal, no estado de Mato Grosso. A redescoberta foi publicada por Barbosa e outros dois pesquisadores no periódico científico De Gruyter no mês passado (maio de 2016).

Para Marcus Vinicius Brandão, biólogo graduado pela USP, com mestrado em mastofauna pela UFSCar e um dos autores do artigo, a redescoberta da espécie mostra a importância do licenciamento ambiental, processo que analisa os impactos socioambientais de um empreendimento para avaliar se a obra é viável ou não e que pode deixar de ser obrigatório com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 65/2012 em tramitação no Senado.

A cuíca-de-colete (Caluromysiops irrupta) foi redescoberta no Brasil após 50 anos. A espécie está na categoria Criticamente Ameaçada da Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, elaborada pelo ICMBio. (O animal foi capturado durante um resgate de fauna e foi solto em um lugar seguro) - Foto: Júlia Laterza Barbosa

A cuíca-de-colete que foi redescoberta no Brasil após 50 anos. (O animal foi capturado durante um resgate de fauna e foi solto em um lugar seguro) – Foto: Júlia Laterza Barbosa

“Durante o processo de licenciamento ambiental busca-se avaliar o impacto ambiental e também social que grandes obras como rodovias, hidrelétricas, mineradoras, etc podem causar. Dessa forma, avaliamos se os benefícios que serão obtidos por esses empreendimentos compensam os impactos que serão gerados. Assim, através de estudos do meio social e ambiental, pode-se ter dimensão da realidade local e elaborar relatórios que poderão direcionar a minimização dos impactos. Além disso, é uma oportunidade de aumentarmos o conhecimento sobre a biodiversidade local. O registro da cuíca-de-colete é um exemplo disso”, diz Brandão. E completa: “Nós sabemos das atuais tragédias ambientais ocorridas no país. Agora imagine: se essas tragédias já aconteceram com a atual legislação, o que aconteceria se a PEC65 fosse aprovada? Imagine os desastres ambientais que poderiam ocorrer. Grande parte da nossa biodiversidade, que pouco conhecemos, estaria destinada a desaparecer sem termos ciência de sua existência.”

A cuíca-de-colete possui uma característica única entre os marsupiais sul-americanos: a faixa escura que se estende das mãos, passa pelos braços, ombros e chega até as costas - Foto: Júlia Laterza Barbosa

A cuíca-de-colete possui uma característica única entre os marsupiais sul-americanos: a faixa escura que se estende das mãos, passa pelos braços, ombros e chega até as costas – Foto: Júlia Laterza Barbosa

No início deste mês (junho), outro artigo científico, publicado no Check List, informou outro registro da espécie no Parque Estadual Guajará Mirim, em Rondônia. “Embora este novo registro refira-se ao avistamento da cuíca-de-colete em 1995, ou seja, mais de 20 anos atrás, é um registro bastante importante, pois foi feito em uma Unidade de Conservação, o que representa um grande passo na ajuda para a conservação de populações desta espécie no Brasil”, comenta Brandão.

Os registros publicados recentemente são importantes para provar que a espécie ainda vive na Amazônia brasileira. Porém, sua área de ocorrência sofre com o desmatamento para a agricultura e a pecuária. Para Brandão é preciso avaliar o atual estado das populações da cuíca-de-colete, obter mais amostras para estudos genéticos e estudar os dados ecológicos do animal para determinar se a espécie é rara e ameaçada realmente ou se é comum, mas com hábitos que dificultam a percepção de sua presença (como vida restrita à copa das árvores e hábito noturno, por exemplo). “Conhecendo melhor os dados biológicos de Caluromysiops irrupta, a comunidade científica pode direcionar melhor os esforços de conservação e quem sabe no futuro poderemos retirar esta espécie da lista de espécies ameaçadas.

Projeto Iauaretê: a luta para salvar as onças-pintadas das árvores da Amazônia

 Onça-pintada (Panthera onca) A onça-pintada é o maior felino das Américas. A perda e fragmentação de habitat associadas principalmente à expansão agrícola, mineração, implantação de hidrelétricas, ampliação da malha viária e a eliminação de indivíduos por caça ou retaliação por predação de animais domésticos são as principais ameaças enfrentadas pelo felino Status na Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção: espécie vulnerável

A onça-pintada (Panthera onca) é o maior felino das Américas. A perda e fragmentação do habitat associadas à expansão agrícola, mineração, implantação de hidrelétricas, ampliação da malha viária e a eliminação de indivíduos por caça ou retaliação por predação de animais domésticos são as principais ameaças enfrentadas pelo felino.
Status na Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção: espécie vulnerável – Foto: Emiliano Ramalho

Na Amazônia, durante o período da cheia, a onça-pintada deixa o solo e passa a viver na copa das árvores. Com incrível flexibilidade ecológica, o felino muda o comportamento para continuar em seu território, mesmo quando a água inunda a várzea da maior floresta tropical do mundo. Essa é uma das conclusões de uma pesquisa realizada pelo Projeto Iauaretê, do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O estudo é realizado desde 2008 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, a primeira reserva de desenvolvimento sustentável do Brasil, criada em 1996 a partir do sonho do primatólogo José Márcio Ayres de preservar o macaco uacari-branco. A área com mais de 1 milhão de hectares tem a função de proteger o ambiente de várzea amazônico, produzir ciência de qualidade e envolver as comunidades ribeirinhas locais na conservação do meio ambiente. “O que a gente tem observado é que temos, na Reserva Mamirauá, uma das mais altas densidades de onças encontrada no mundo. A gente estima mais de dez onças a cada 100 km².  E o que isso mostra é o potencial que as várzeas têm”, comentou o pesquisador Emiliano Ramalho, líder do GP Felinos, do Instituto Mamirauá.

Para Emiliano, a explicação para essa grande concentração de onças-pintadas se deve a grande quantidade de alimento disponível. Apesar de animais terrestres que são presas comuns do felino não serem encontrados com frequência, a densidade de preguiças e jacarés é altíssima. Esses duas espécies constituem a base da alimentação das onças-pintadas em Mamirauá. Segundo o pesquisador, existem cerca de 1000 onças-pintadas dentro da reserva.

A concentração de onças-pintadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na Amazônia, é uma das maiores do mundo - Foto: Emiliano Ramalho

A concentração de onças-pintadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na Amazônia, é uma das maiores do mundo – Foto: Emiliano Ramalho

A onça-preta e a onça-pintada são animais da mesma espécie. Indivíduos melânicos são mais comuns em florestas densas, como a Amazônia. Eles têm uma alta quantidade de melanina na pele e nos pelos - Foto: Projeto Iauaretê/Instituto Mamirauá

A onça-preta e a onça-pintada são animais da mesma espécie (Panthera onca). Indivíduos melânicos são mais comuns em florestas densas, como a Amazônia. Eles têm uma alta quantidade de melanina na pele e nos pelos – Foto: Projeto Iauaretê/Instituto Mamirauá

Como se movimentam as onças-pintadas da várzea Amazônica? Como a variação do nível da água, ao longo do ano, interfere na movimentação desses animais? Para responder a essas perguntas, os felinos recebem colares de GPS que armazenam e enviam informações da localização de cada animal para os pesquisadores via satélite. O colar também tem um sistema transmissor VHF, que emite uma frequência de rádio que é utilizada quando os pesquisadores querem encontrar o animal na floresta.

Durante os meses de janeiro e março a equipe do projeto capturou e instalou colares em duas onças: Django, uma onça-preta e Fofa, que está grávida. Para Louise Maranhão, veterinária no Instituto Mamirauá, a gestação é um indicativo de que o ambiente é viável para a sobrevivência e para a reprodução da espécie. “O animal está bem, possui alimentação no ambiente e está se reproduzido bem. Demonstra que esse é um ambiente que está favorável para sua manutenção.” Com esses dois animais, o projeto monitora atualmente cinco onças-pintadas na região.

As onças-pintadas são anestesiadas e têm os sinais vitais monitorados durante todo o processo de captura. Os animais são pesados, medidos e fotografados. Amostras biológicas são coletadas para análise genética e de parasitas em laboratório. Tudo é por acompanhado por um médico veterinário - Foto: Amanda Lelis

As onças-pintadas são anestesiadas e têm os sinais vitais monitorados durante todo o processo de captura. Os animais são pesados, medidos e fotografados. Amostras biológicas são coletadas para análise genética e de parasitas em laboratório. Tudo é por acompanhado por um médico veterinário – Foto: Amanda Lelis

As onças são liberadas com os colares GPS, que possuem um sistema que permite que se desarmem sozinhos quando a bateria acaba, possibilitando que sejam encontrados e reutilizados posteriormente. A acompanhamento pode durar até dois anos - Foto: Amanda Lelis

As onças são liberadas com os colares GPS, que possuem um sistema que permite que se desarmem sozinhos quando a bateria acaba, possibilitando que sejam encontrados e reutilizados posteriormente. O acompanhamento pode durar até dois anos – Foto: Amanda Lelis

A pesquisa também analisa as fezes das onças para determinar as principais presas dos felinos dentro de Mamirauá. “A preguiça sempre é o prato principal das onças ao longo do ano todo. O que muda no período da cheia é que as onças não têm acesso aos jacarés, que estão dispersos na água, na floresta. Então ela complementa isso com outros animais que vivem em cima da árvore: macacos guariba, outros macacos e o tamanduá-mirim”, diz Emiliano.

As informações coletadas pelo Projeto Iauaretê servem de base para a manutenção do programa de turismo de observação de onças-pintadas, realizado somente durante o período da cheia (final de abril até meados de junho) e mantido em parceria com a Pousada Uacari. Parte da renda arrecada vai para as comunidades locais e permite a continuidade da pesquisa científica. Segundo Emiliano, é importante provar que a onça pode trazer benefícios financeiros para as pessoas que trabalham na região. “As onças, hoje, têm um valor negativo por parte das comunidades. Porque as pessoas se sentem ameaçadas por causa da onça. Perdem cachorro, criação, porco, gado. A ideia é que mais gente venha fazer a observação de onças e que o recurso extra vá para as comunidades e para manter essa atividade de pesquisa. As pessoas ficam mais interessadas com o bicho. E o mais importante é dar tempo para as pessoas se conscientizarem.”

Os filhotes também se adaptam à vida nas copas das árvores - Foto: Emiliano Ramalho

Os filhotes também se adaptam à vida nas copas das árvores – Foto: Emiliano Ramalho

Para Emiliano, é possível replicar o modelo de turismo de observação de onças em outros lugares da Amazônia, principalmente em áreas de várzea. Ele já está programando outras iniciativas para verificar a possibilidade de fazer algo semelhante em áreas de terra firme.

A pesquisa do Projeto Iauaretê mostra que é necessário aumentar as áreas protegidas de florestas de várzea para ajudar na conservação da onça-pintada na Amazônia. Iniciativas como essa são necessárias para retirar o felino da Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção.

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Mais de mil filhotes de quelônios nascem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na Amazônia

Filhotes de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) se dirigem para o rio - Foto: Vanielle Medeiros

Filhotes de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) se dirigem para o rio – Foto: Vanielle Medeiros

A temporada reprodutiva dos quelônios fluviais de 2015 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na Amazônia, foi produtiva. Os pesquisadores do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, registraram o nascimento de 1.348 filhotes durante o período.

Três praias do Rio Solimões foram monitoradas. 80% dos filhotes eram de tartaruga-da-amazônia, 12% de iaçá e 7% de tracajá. Os dados contribuem para o entendimento da ecologia das espécies estudadas. “A primeira espécie de quelônio aquática que começa a desovar é Podocnemis sextuberculata (iaçá), as fêmeas iniciam a desova no final de agosto e terminam em outubro; P. unifilis (tracajá) desova entre agostos e setembro e P. expansa (tartaruga-da-Amazônia) desova principalmente em outubro.” Conta Vanielle Medeiros, pesquisadora do Instituto Mamirauá.

Pesquisadora mostra as três espécies de quelônios estudadas (de cima para baixo): tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), tracajá (Podocnemis unifilis) e iaçá (Podocnemis sextuberculata) - Foto: Vanielle Medeiros

Pesquisadora mostra as três espécies de quelônios estudadas (de cima para baixo): tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), tracajá (Podocnemis unifilis) e iaçá (Podocnemis sextuberculata) – Foto: Vanielle Medeiros

Segundo a pesquisadora, o monitoramento em campo contempla desde a desova até a eclosão. “Podemos ter uma base de quantos ninhos aquela praia está produzindo e mais ou menos quantos filhotes podem nascer dependendo disso. Por serem animais de vida longa, é importante fazer um acompanhamento ao longo do tempo para ter uma série histórica de dados que nos permite estudar a ecologia desses animais”, afirmou.

A primeira expedição foi realizada em outubro de 2015. O objetivo era identificar ninhos e observar a desova das fêmeas. 750 metros de praia foram mapeados para testar o grau de vulnerabilidade dos ninhos à inundação. Os locais dos ninhos foram marcados por GPS e a equipe fez a medição e a pesagem dos ovos.

Fêmea de tartaruga-da-Amazônia desovando em uma praia na Reserva Mamirauá. Status na IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza, na sigla em inglês): Pouco preocupante - Foto: Ana Júlia Lenz

Fêmea de tartaruga-da-Amazônia desovando em uma praia na Reserva Mamirauá – Foto: Ana Júlia Lenz

Pesquisadores realizam biometria de ovos de tracajá - Foto: Amanda Lelis

Pesquisadores realizam biometria de ovos de tracajá – Foto: Amanda Lelis

As expedições de novembro e dezembro foram realizadas para acompanhar a eclosão dos ovos e a emergência dos filhotes. Os pequenos foram marcados e a equipe coletou dados de cada indivíduo para poder acompanhar o desenvolvimento dos animais em posteriores recapturas.

Vanielle diz que os dados serão analisados e servirão para comparar a produção das praias monitoradas, o sucesso de eclosão dos ninhos e servirá como indicador para verificar se existe relação entre o tamanho da fêmea e o tamanho dos filhotes.

Fêmea de iaçá marcada para estudos populacionais - Foto: Amanda Lelis

Fêmea de iaçá marcada para estudos populacionais – Foto: Amanda Lelis

Macho de tracajá, conhecido popularmente como Zé Prego, capturado para biometria e marcação - Foto: Ana Júlia Lenz

Macho de tracajá, conhecido popularmente como Zé Prego, capturado para biometria e marcação – Foto: Ana Júlia Lenz

O monitoramento da temporada reprodutiva dessas três espécies é feito desde 1998 pelo Instituto Mamirauá. A atividade é realizada no período da seca, quando as praias se formam na região. “É importante ressaltar que essas espécies aquáticas têm o período reprodutivo sincronizado com o rio. O rio Solimões é marcado por dois grandes períodos anuais de cheia e seca. Quando o rio demora para secar, os bancos de areia, nos quais os quelônios desovam, também demoram para emergir e o início da temporada reprodutiva depende dos locais disponíveis para desova”, alerta a pesquisadora.

Vanielle e a equipe também se esforçam para monitorar os quelônios fluviais amazônicos durante o período em que as águas do rio sobem e encobrem as praias. “Queremos saber quais são as áreas em que eles estão na cheia. Geralmente os animais migram para outras áreas para alimentação e crescimento. É importante acompanhar essas outras áreas que também são usadas por essas espécies, e que talvez não sejam tão protegidas quanto as praias de desova.”

Moradores de comunidade tradicional realizam a soltura dos filhotes de quelônios nascidos na praia protegida - Foto: Vanielle Medeiros

Moradores de comunidade tradicional realizam a soltura dos filhotes de quelônios nascidos na praia protegida – Foto: Vanielle Medeiros

Uma grande ajuda para a conservação da espécie vem das comunidades ribeirinhas da região. Os moradores acampam nas praias e se revezam para monitorar e proteger as áreas de desova e evitar invasões para a coleta de ovos ou fêmeas (utilizados para consumo na região).

O projeto também conta com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Prêmio IGUi Ambiental.